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segunda-feira, janeiro 25, 2010

24 DE JANEIRO: DIA DA INSTITUIÇÃO DO CASAMENTO CIVIL NO BRASIL


Em síntese: A instituição do casamento civil tem suas raízes no séc. XVI, quando os reformadores protestantes negaram a índole sacramental do contrato matrimonial. Lutero julgava que o casamento é uma necessidade física imposta aos homens pela natureza, mas portadora de pecado porque estimulado pela concupiscência ou o desejo sexual (que Lutero identificava com o pecado); a misericórdia de Deus perdoaria a pecaminosidade do ato conjugal.

A secularização se tornou fato reconhecido pelo Direito Civil a partir da Revolução Francesa de 1789. O Código de Direito de Napoleão Bonaparte (1799-1814) promulgou a existência do casamento meramente civil, independente do matrimônio religioso; tal código tornou-se modelo para a constituição civil de numerosos povos europeus e não-europeus.

A Igreja reconhece a legitimidade do casamento civil na medida em que 1) estipula os efeitos civis do contrato nupcial, 2) atende aos cidadãos não católicos; para os fiéis católicos, porém, a Igreja afirma não haver outra possibilidade de legítima união conjugal a não ser a sacramental. O fiel católico que viva maritalmente unido a pessoa de outro sexo sem o sacramento do matrimônio, acha-se em concubinato, ainda que esteja casado no foro civil.
O contrato matrimonial não pode ser equiparado aos contratos naturais de compra, venda ou aluguel, pois instaura uma modalidade própria de vida cristã ou a via pela qual dois cristãos caminham juntos para Deus e se santificam mutuamente. Se toda a vida do cristão é o desabrochar do sacramento do batismo, a vida conjugal é a vivência do sacramento do matrimônio.
Diante deste fato, que não se justifica aos olhos da consciência cristã, exporemos alguns traços da história do casamento e a atual doutrina da Igreja.
1. Traços de história
Proporemos três etapas: 
1) ... até o século XVI;
2) Nos séculos XVI/XVIII; 
3) Desde o século XVIII aos nossos dias.
1.1. Até o século XVI
A tradição bíblica, desde as suas origens, apresenta o casamento como instituição natural que o Senhor Deus confirma e abençoa. Como Criador dos primeiros homens, Deus é o autor da família e, por conseguinte, do matrimônio, que dá origem à família; a tendência natural à união do homem e da mulher é sancionada pela explícita palavra do Criador. Cf. Gn 1,27s; 2,18-24.

Herdeiro desta concepção, o povo de Israel atribuía ao matrimônio valor sagrado, que o punha acima de todos os outros contratos existentes na sociedade. O matrimônio na Bíblia do A. T. é considerado como colaboração com o próprio Deus na realização de um plano salvífico. Tenha-se em vista especialmente o livro de Tobias, que com ênfase propõe o casamento promovido e abençoado pelo Senhor Deus. No Cântico dos Cânticos a união de esposo e esposa é alegria do amor que Javé tem à filha de Sion ou ao povo eleito.
De resto, o casamento foi reconhecido como instituição sagrada também pelos povos civilizados fora de Israel. O matrimônio, relacionado diretamente com a transmissão da vida, não podia estar isento de valor religioso, como não o estavam o nascimento e a morte (pelo fato mesmo de se relacionar diretamente com a vida, da qual só Deus tem o domínio).
Nos escritos do Novo Testamento, Jesus confirma a santidade das núpcias. Insistiu sobre a unidade e a indissolubilidade do casamento; cf. Mc 10,2-12. Além do que, elevou o matrimônio, já instituído e abençoado pelo Criador, à dignidade de sacramento, como ensina São Paulo em Ef 5,22-32.
A índole sagrada do contrato matrimonial foi reconhecida pelas subseqüentes gerações de cristãos. Por isto a Igreja passou a legislar a respeito dos impedimentos e de outros aspectos do casamento. Verdade é que na Idade Média os teólogos muito discutiram sobre tal ou tal ponto da teologia do matrimônio, mas nunca puseram em questão o valor sacramental do contrato matrimonial.
No século XV e ainda no século XVI, a Igreja e o Estado assim se comportavam diante do matrimônio.
A Igreja estipulava as condições do vínculo matrimonial. Só a Ela competia legislar a respeito, declarar a validade ou a nulidade de algum casamento, reconhecer ou não o título de esposo ou esposa, afirmar a qualidade de filho legítimo, propiciar novo casamento desde que se comprovasse a nulidade do anterior... O Estado só tinha autoridade sobre os efeitos, pecuniários ou civis, decorrentes do casamento: cabia-lhe cuidar dos direitos dos pais sobre os filhos; dirimir questões de partilha de bens, herança, parentesco civil, etc ...
Eis, porém, que no século XVI os reformadores protestantes, fazendo eco pleno a vozes isoladas no século XV começaram a se opor à clássica visão religiosa do matrimônio.

1.2. Nos séculos XVI/XVIII

Martinho Lutero (+ 1546) em 1517 lançou a sua primeira interpelação contra a Igreja Católica. No tocante ao matrimônio, em 1519 ainda ensinava a tradicional doutrina no seu “Sermão sobre o estado conjugal”. Todavia em 1520 no livro “De Captivitate Babyloniae” passou a combatê-la frontalmente: negou a índole sacramental do casamento, que ele passou a considerar como negócio civil, ein weltlich Geschäft, ein weltlich Ding; tais expressões recorrem freqüentemente sob a pena do Reformador. Implicam que a regulamentação e a jurisdição em matéria matrimonial tocam exclusivamente ao Estado civil, não à Igreja.

Mais explicitamente, tal é o pensamento de Lutero: o casamento é necessidade imposta pela natureza, necessidade física (cf. À nobreza cristã, 1520; Sermão sobre o casamento, 1522). Por conseguinte é preciso reconhecer, sem hesitação, que o matrimônio é indispensável a todo ser humano e que o voto de castidade é contrário à natureza. Acontece, porém, que o estado conjugal, embora necessário e digno de honra, leva ao pecado, pois o ato conjugal é da mesma índole que o ato de fornicação, de tal modo que somente por misericórdia Deus o perdoa (cf. A respeito dos votos monásticos, 1521). Esta doutrina de Lutero decorre de inexato conceito de concupiscência: para o Reformador, a concupiscência, isto é, o desejo sexual (como tal) é pecado; ora é precisamente a concupiscência que leva o indivíduo ao ato conjugal. Em síntese, Lutero considera o estado conjugal com severidade tal que, apesar dos elogios, o tem na conta de estado quase pecaminoso; doutro lado, porém, o voto leva a sua doutrina a um impasse.
Ainda segundo Lutero: se o ato conjugal é uma necessidade física, seria contrário à natureza afirmar a estabilidade do vínculo conjugal entre esposos que não podem satisfazer mutuamente aos desejos carnais. Por conseguinte, o matrimônio há de ser rescindível em grande número de casos.
Quanto à monogamia, Lutero a solapou. Com efeito, o langrave Filipe de Hesse, que muito favorecia Lutero em sua obra revolucionária, alegava ao Reformador que a sua esposa legítima lhe inspirava repulsa e que o temperamento de Filipe não lhe permitia a abstinência sexual: em conseqüência, pedia ao ex-frade que lhe fosse permitido – à semelhança de Abraão, Jacó, Davi e Salomão – esposar outra mulher. A solicitação deixou Lutero e seus teólogos embaraçados; depois de muito meditar sobre o doloroso caso, Lutero respondeu ao príncipe o seguinte: a poligamia é herança do A. T., que o N. T. condena; por conseguinte, o princípio da poligamia deve ser afastado; todavia Filipe era autorizado a esposar o objeto de seus desejos, “para a salvação do seu corpo e da sua alma, assim como para a glória de Deus”! Observasse, porém, a condição de “proceder secretamente”! O novo casamento, também dito “matrimônio turco”, foi celebrado pelo pregador protestante da corte de Hesse, mas o segredo não foi observado! Vários protestantes de vida reta mostraram-se indignados; Joaquim de Brandeburgo e João da Saxônia não mais quiseram ver o bígamo Filipe. Desgastado então pelas críticas à sua excessiva indulgência, Lutero respondeu: “A mentira torna-se verdade quando aplicada contra a fúria do diabo, para a vantagem do próximo”.
João Calvino (+ 1564) também recusou a índole sacramental do contrato conjugal, embora tenha estimado o matrimônio e combatido o celibato. Condenou a poligamia e explicou o caso dos patriarcas como sendo uma concessão do Senhor Deus à avidez dos mesmos.
Entre os canonistas da Reforma protestante, distingue-se Basílio Monner (+ 1566), autor da obra De matrimonio (1561). Para este autor, o matrimônio tem função muito elevada, mas não é sacramento; não confere a graça; é res plane politica, coisa meramente civil; Deus o instituiu, como também instituiu as magistraturas. Disto se segue que as causas matrimoniais não estão sujeitas ao foro eclesiástico e que o Papa não tem o direito de regulamentar o casamento ou conceder dispensas matrimoniais.
A posição dos Reformadores no século XVI deu margem a que se fosse formando na mente dos estudiosos o conceito de matrimônio meramente civil. Este conceito haveria de amadurecer entre os juristas chamados “regalistas”¹ e os filósofos que antecederam a Revolução Francesa de 1789. Todos estes pensadores partiram da tese de que o matrimônio é, antes do mais (se não exclusivamente), um contrato civil. Por isto deve estar sujeito à regulamentação e à jurisdição do Estado. O Senhor Jesus, ao elevar o contrato civil à dignidade de sacramento, não alterou a natureza desse contrato civil, mas acrescentou-lhe algo de acessório e secundário; o contrato civil do matrimônio ficou tal como antes, sujeito, portanto, às leis civis. Os poderes atribuídos por Jesus Cristo à sua Igreja seriam de ordem meramente espiritual; por conseguinte, não se estenderiam nem indiretamente às coisas temporais, como são por exemplo os contratos.
Os regalistas, que propunham suas teses galicanas, faziam profissão de fé católica (à diferença dos autores da Revolução Francesa). Sustentavam suas posições, embora o Concílio de Trento tivesse afirmado o direito, na Igreja Católica, de legislar sobre o matrimônio. Alegavam, para tanto, que as normas do Concílio de Trento não tinham sido aplicadas pelos reis da França ou faziam a exegese sutil das palavras “Igreja”, “matrimônio”.
Os filósofos racionalistas (Montaigne, Diderot, Mostesquieu, Pufendorf...) foram menos cautelosos do que os juristas ao atacarem a clássica matrimonial da Igreja; recorreram mesmo à sátira.
Todavia a clássica praxe ou a ordem de coisas vigente não foi oficialmente alterada até o fim do século XVIII, embora o poder civil, sob pretexto de interpretar os cânones da Igreja ou favorecer o interesse dos fiéis, se fosse mais e mais ingerindo na praxe matrimonial. Essa ingerência do Estado era justificada perante a Igreja como se fosse destinada apenas a regrar os efeitos civis do casamento; o poder secular professava teoricamente o respeito ao sacramento do matrimônio e aos direitos da Igreja nesse particular.

1.3. Do fim do século XVIII aos nossos dias
A secularização explícita do casamento foi-se tornando fato concreto a partir do último quarto do século XVIII, entrando em países tradicionalmente católicos. Para tanto, alegavam os pensadores que a única instância competente em matéria de contratos é o poder secular.

Na França, foi decisiva a Revolução Francesa de 1789, com os acontecimentos que a cercaram. A nova Constituição de 1791 rezava em seu título II, art. 7: “A lei só considera o casamento como contrato civil”. O princípio da secularização estava estabelecido; as legislações sucessivas o aplicariam nas minúcias da realidade. Napoleão Bonaparte (1799-1814) introduziu a noção de matrimônio meramente civil em seu famoso Código de Napoleão (título V), que serviu de modelo à Constituição de numerosos países europeus e não europeus. Na França a lei chegou a proibir aos sacerdotes abençoar no foro religioso os cônjuges que não se tivessem casado previamente em instância civil (Código Penal, artigos 199 e 200). É de notar, porém, que, mesmo após a secularização do matrimônio, o Governo Revolucionário francês instituiu um ritual de matrimônio que pretendia fazer as vezes de Liturgia Católica. Com efeito; movida por Robespierre, a Convenção votou um decreto cujo artigo 7º previa a Festa do Amor conjugal. Um decreto do 3º Brumário do ano IV instaurou a festa nacional dos Esposos, e a lei do 13º Fructidor do ano VI, que organizava as festas decadárias, tornou obrigatória a celebração do casamento em decadi.
No Império Austríaco o monarca D. José II (1780-1790) tornou-se o porta-vos e executor das idéias regalistas, também ditas “febronianas” (pois tiveram em Justino Febrônio, + 1790, um de seus mais ardentes mentores em território alemão). O monarca concebeu, entre outras coisas, o programa de fazer do matrimônio “uma realidade principalmente civil e acessoriamente religiosa”, como escreveu o Vice-Chanceler Cobenzl. Conseqüentemente, em 1781 promulgou um edito que conferia aos bispos o direito de conceder dispensas de impedimentos matrimoniais por autoridade própria; por decretos de 1783 e 1784 foram reservadas ao Estado todas as questões concernentes ao matrimônio; o sacerdote, ao abençoar o casamento, estaria exercendo uma função estatal.
Na Toscana, semelhante reforma foi empreendida pelo Grão-Duque Leopoldo II em 1786. O Bispo de Pistoia, Cipião de Ricci, professava idéias regalistas; por isto, o Sínodo de Pistoia em 1786 pediu ao Grão-Duque que decidisse autoritariamente sobre todos os assuntos relativos ao matrimônio.
Uma das expressões mais típicas do novo conceito de matrimônio “contrato secular” é a definição devida ao filósofo Immanuel Kant em 1797: “O matrimônio é a união de duas pessoas de sexo diferente que entre si outorgam direito recíproco sobre o seu corpo para o resto da vida” (Metafísica dos costumes, § 24).
Neste texto, Kant ainda conserva a cláusula “para o resto da vida”. Todavia a noção de contrato acarretaria naturalmente a de rescindibilidade ou dissolubilidade do matrimônio.
Em suma, a tendência secularizante foi-se difundindo cada vez mais, encontrando eco nas Constituições de vários povos.
Nos países em que, no século XIX, foi declarada a separação da Igreja e do Estado (como no Brasil, por exemplo), a situação constrangedora tornou-se menos penosa para a Igreja. Com efeito, o Governo, estabelecendo o matrimônio civil e suas modalidades, passou a ignorar o matrimônio sacramental, em vez de pretender subordinar os bispos e as celebrações da Igreja à legislação do Estado. Em tais países, desde que aí reine a liberdade religiosa, a Igreja propõe aos fiéis a sua doutrina e a sua legislação sobre o matrimônio e atende aos fiéis que a procuram, sem sofrer entraves por parte do Governo.
Importa agora considerar
2. A atitude da Igreja diante do matrimônio civil
1. A Igreja Católica não se opõe ao matrimônio civil, pois que

- dá fundamento aos efeitos civis do matrimônio sacramental;
- atende à situação das pessoas que, não sendo batizadas na Igreja Católica, não podem pedir o sacramento do matrimônio. Em tais casos, o matrimônio civil legitimamente contraído estabelece entre os consortes o vínculo natural do casamento, que é por si indissolúvel e merece pleno respeito.


LE BRAS, G., Mariage, em Dictionnaire de Théologie Catholique IX/2, Paris 1927, cols. 2044-2317.


¹ Por “regalistas” se entendem os pensadores que favoreceram as reivindicações dos reis (da França, da Áustria, da Espanha, de Portugal...) e do Duque da Toscana, que pretendiam ingerir-se em assuntos de Direito Canônico, contrariando a autonomia e a missão do Papado. Eram defensores de “Igrejas Nacionais”, como seria a Igreja Galicana, diretamente subordinada ao rei.





Autor: (D. Estevão Bettencourt, osb)
Fonte: (Cleofes)
Imagem: (Meramente ilustrativa)

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