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terça-feira, março 27, 2012

VJMJ


VJMJ

Roberto Ambrosio

E éramos, eu e minha turma, ensinados a colocar o VJMJ em nossos cadernos, a cada início de dia, de tarefa. Não sei dos outros, mas eu colocava automaticamente, nunca as letras e seus significados fizeram sentido pra mim. Assim também as margens eram de 1,5 centímetros, e a cidade, São Paulo, colocada todos os dias antes da data. Isso sim fazia sentido, afinal, era importante que todos os dias soubéssemos onde nos encontrávamos.
Também havia as regras, eram umas doze, anotadas no primeiro dia de aula, na primeira página do tal caderno e iam desde não mascar chicletes na aula (os chicletes já eram um problema social então), até respeitar os professores.
Compreendo hoje que para educar é preciso reprimir, estabelecer limites, e que isso pode e deve ser feito de forma clara, carinhosa, afinal, reprimir não tem nada a ver com maltratar. Quando fui aluno nesse colégio eu sabia exatamente meu papel. Eu era aluno. Os professores eram professores. O reitor era reitor.
A mim cabia cumprir horários, aprender, fazer as tarefas propostas e mostrar o que havia aprendido. Os professores cumpriam seu horário, ensinavam coisas que eu não sabia, avaliavam, elogiavam publicamente, davam broncas quando não aprendíamos, seja por não compreendermos algum conceito, seja porque não queríamos, por desinteresse ou vagabundagem mesmo. O reitor observava, caminhava entre nós, sabia o nome de todos, perguntava nossas notas, de nossos pais, do placar do futebol de salão, ralhava com nossos uniformes mal vestidos, com palavrões e com cigarro.
Havia uma reunião de pais e mestres. Nelas éramos colocados frente a frente com nosso pai ou mãe e nossos professores e tínhamos que ouvir elogios e repreensões. Era de fato,uma reunião de pais, mestres e alunos. Um necessário acerto de contas. Após a reunião os professores nos deixavam e voltávamos pra casa onde os pais fariam o seu papel de pais. Surras, broncas, acordos, elogios, presentes. A escola não tinha nada com isso. Esse era o território de cada casa, de cada cultura diversa em seus rituais e costumes.
Essas recordações me vieram à mente porque tenho me perguntado como será o futuro de pais, crianças, escolas e professores. Hoje ninguém sabe se ensina ou educa. Pais e professores não sabem mais qual é o seu papel. Reprimir (educar) virou palavrão, os pais não querem que os filhos sejam contrariados em suas vontades. Os professores sabem pouco, e o pouco que sabem é menos interessante do que o conteúdo que as crianças acessam nas redes sociais.
Uma vez, o amigo Mitsugui e eu tivemos a idéia de imprimir um jornal para falar das turmas do ginásio. Arrumamos um mimeógrafo, folhas, datilografamos poemas, piadas, fofocas, apelidos impiedosos, resultados do torneio interclasses e pronto. Estava feito. Mas…e o nome? Depois de um breve brainstorm, lá veio: Pôrra!! Assim, com acento e exclamação. Animados fomos ao professor responsável por avaliar nossa iniciativa e mostramos o Pôrra, ou a Pôrra, não sabíamos bem.
Tomamos um sermão de meia hora sobre as falhas de diagramação, os erros de português, as gírias excessivas e a ordem das coisas (priMEIro o Guilherme de Almeida, dePOIS a coluna de fofocas e apelidos!). Ele exigiu duas páginas para seu editorial e impugnou o nome.
Pôrra não. Uma hora de negociação, ele levou uma página de editorial, que sempre assinou com o pseudônimo Ijomar (e que todo mundo sabia ser do Irmão José Martinez), mas conseguimos sair com o nome Pô! Com acento, exclamação e sem o rra…
Hoje percebo a aula de convivência, negociação, flexibilidade e por que não dizer bom gosto, que ele nos deu. Nossa vontade prevaleceu, o Pô! circulou por dois anos com sucesso, mas aprendemos o papel da autoridade, do aluno, do professor, dos pais e da escola. Aprendemos que lutar pelo que se quer tem mais valor do que receber as coisas de mão beijada. Aprendemos que poderíamos ser tratados como iguais, mas quenão éramos iguais e ter certeza disso foi, pra mim, naquele dia, num tempo entre a infância e a adolescência, um conforto e uma alegria.
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Texto publicado com autorização do autor.

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